Conversa: GOD Works

Conversa com Sr. Vitor Godinho, da GOD Works, agência de comunicação de marca, que trabalha com várias empresas exportadoras para o Japão. Durante a conversa, o Sr. Vitor Godinho realçou como estar presente no Japão não só oferece um mercado com maior poder de compra, mas também traz credibilidade aos produtos portugueses a vender noutros países. Contudo, para se entrar no mercado japonês as empresas têm de se preparar bem, criar um caso de estudo para que possam aprender sobre como melhor comunicar a sua marca, história, e produto ao parceiro e clientes japoneses.


Conversa

Do seu ponto de vista quais são as oportunidades que o mercado japonês tem para oferecer às empresas portuguesas?

Vitor Godinho: Eu quero começar por referir que é necessário olharmos para a fragilidade das nossas exportações, porque normalmente gostamos de exportar para o mercado da saudade, ou seja, para os países lusófonos, porque isto é, no fim, a nossa área de conforto. Porquê? Porque, para além da conexão histórica, entre outros, há uma relação cultural. No entanto, com excepção ao que aconteceu em Angola - em que podiam pagar mais pelos produtos portugueses -, são raros os mercados [lusófonos] que estão dispostos a pagar o valor acrescentado que, neste caso específico, o mercado japonês está disposto a pagar.

O Japão é um mercado com maior poder de compra, e, em grande parte, é um mercado que cumpre com os seus compromissos comerciais. Ou seja, o risco de default é mitigado por este compromisso japonês. E, por último, - e eu acho que as pessoas se esquecem disto -, numa estratégia de exportação para a Ásia, uma empresa, um produto ou uma marca que tenha já alguma penetração no mercado japonês, passa a ser uma referência para outros mercados asiáticos. Isto é, se eu apresentar algo que já está no Japão, a probabilidade de eu entrar na Coreia do Sul, por exemplo, é muito grande, porque há um contágio de notoriedade evidente. Infelizmente, muitas vezes as pessoas que procuram entrar em vários mercados asiáticos, não percepcionam isto.

[...] uma empresa, um produto ou uma marca que tenha já alguma penetração no mercado japonês, passa a ser uma referência para outros mercados asiáticos.

O Japão é um mercado maduro, ultra competitivo, com regras próprias e com uma cultura própria - não direi oriental, porque esta é muito extensa -, que, como referência - e até porque é a terceira maior economia no mundo -, faz com que claramente todos os outros países asiáticos tomem o Japão como um benchmark de qualidade. Assim, caso eu esteja a pensar numa expansão mais lata no mercado asiático, para mim seria mais óbvio perder mais tempo a entrar no Japão, do que estar a perder muito tempo a tentar entrar em todo o lado. Posto isto, para além de outras, esta seria uma grande vantagem de estar no Japão. Por outras refiro-me àquelas óbvias, nomeadamente maior receita e menos risco ao exportar para um país fiável. Isto é, porque o país é extremamente organizado, as encomendadas são facilmente previsíveis. No momento em que uma empresa tenta entrar no mercado e estabelece uma relação de confiança com um parceiro japonês, as relações são fortes e duradouras. E isto é uma grande oportunidade, ou seja, criar uma relação duradoura que sustente as exportações para esse mercado. Os japoneses valorizam as relações de negócio desde que se cumpra com todas as regras, e eles próprios, por outro lado, seguem essas regras de uma forma muito atempada. Este tipo de relaçÃO traz muitas vantagens. No entanto, por vezes, esquecemo-nos de valorizar isto, porque só estamos a pensar no momento da venda.

Passando das vantagens que o Japão oferece, passo para as vantagens que as empresas portuguesas podem ter no mercado japonês. Pela sua experiência, quais são as vantagens competitivas?

Vitor Godinho: Eu vou subverter um bocado essa pergunta, porque é difícil falar sobre as vantagens competitivas quando as empresas portuguesas têm um problema gravíssismo: as empresas não olham para o processo de trading internacional como um business case, ou seja, não criam um plano de negócios sobre as várias vertentes que sustentam esse esforço. Para elas é so mais um processo de venda; para elas vender para Corroios ou para o Japão é só uma questão de dinheiro, e, na realidade, para se implementar um produto num mercado estrangeiro, é preciso reunir uma série de informação que irá ditar se o produto precisa de ser modificado, entre outras coisas, e se vale a pena ou não entrar no mercado alvo. Muitas vezes, colocar um produto no estangeito significa lançar um produto novo, porque nós achamos que o nosso produto já está maduro, e que se pode vender em qualquer lado. Mas a experiência mostra que, muitas vezes, é necessário uma reformulação ou uma adpatação do produto, é preciso criar canais de consumo, canais de distribuição, pensar na marca no estrangeiro, etc., porque, por exemplo, no Japão, podemos ter uma marca que pode não ser relevante, ou até ofensiva no contexto totalmente diferente. E o reverso também acontece. As nossas empresas ao não se focarem nisto com um investimento a médio e a longo prazo, em vez de pensarem como um investimento a curto prazo, gastam demasiado tempo e dinheiro a não se prepararem. Ou seja, ao não se prepararem, elas próprias têm dificuldade em saber quais são as suas vantagens competitivas.

O facto de eu achar que o meu produto é óptimo e funcionar muito bem nos países lusófonos, não quer dizer que o produto não seja óptimo noutros mercados, mas é preciso trabalhar a percepção de valor. A percepção de valor aqui vale muito, é a diferença que faz entre um café do Starbucks ser vendido a 70 cêntimos ou ser vendido a 4 euros, e nós esquecemo-nos disto. Estamos muito focados na percepção de que o nosso produto é genial, mas nós precisamos de nos sustentar num business case que inclua vários ângulos: custos para ir ao estrangeiro, como nos relacionamo-nos com o ambiente corporativo e que este nos oiça, como vender a marca e o produto a consumidores em culturas diferentes, entre outros, mas tudo isto tem que já estar pronto e, acima de tudo, temos de ter a certeza que transmitimos bem a nossa mensagem, que ela seja entendida. Muitas vezes o que acontece é que chegam lá com amostras do produto, e as pessaos não compreendem, nem percebem como isto pode ser relevante para elas. Tudo isto implica um investimento grande, não só financeiro, mas temporal também. É essencial, antes de se começar, definir-se o que é sucesso a médio e a longa prazo. Claro que na lista de vantagens a ter em conta temos a nossa relação histórica com o Japão, que é muito relevante, mas esta oportunidade e relevância tem que ser adaptada, tem que ser trabalhada. E quando digo adaptada, digo olhar apara o produto, para a linguagem, para o packaging... Nós, por exemplo, podemos ter a melhor bolacha do mundo, mas se não tivermos disponíveis a embalala de acodo com os padrões japoneses, nem vale a pena sair de casa.

No que toca à embalagem, os japoneses estão a ficar mais conscientes no desperdício que o excessivo uso de embalagem implica. Isso poderá ser visto como uma oportunidade?

Vitor Godinho: Eu acho difícil. Eu acho que o consumidor japonês vai preferir sempre a eficiência da reciclagem, do que propriamente do desconforto da embalagem não estar devidamente condicionada. Eles habituaram-se muito a isto, porque é mais fácil terem um sistema eficiente de reciclagem, do que propriamente as pessoas terem só um invólucro do que muitos. Agora, do nosso lado, nós temos que estar dispostos a fazer essas concessões, e isso poderá implicar adaptar as nossa linhas de produção. Esta adaptação implica custos enormes, mas se tivermos em conta que, vendendo, por exemplo, numa cidade como Tóquio, isso significa ter acesso a um conjunto de consumidores com grande poder de compra e uma população equivalente a Portugal inteiro. No entanto, pela minha percepção, as empresas portuguesas não estão dispostas a fazer este trabalho, porque é demasiado difícil, mesmo para as grandes empresas.

Para além das outras coisas já referidas: é preciso investir nas traduções, nas apresentações - e saber como se apresentar e falar -, nas fichas técnicas, etc. Ou seja, há muitas pequenas coisas a ter em conta. As empresas confrontadas com isto veem demasiado trabalho e não veem o lucro a longo prazo, porque para eles isto é um processo comercial, e não devia ser assim. As empresas deviam estabelecer uma estratégia e se, por exemplo, pretenderem exportar para outros mercados asiáticos, podiam começar por saber que, exportar para o Japão, é como se recebessem um selo de qualidade e confiança ao seu produto, que poderá ser usado como rampa de lançamento para outros mercados.

O que é que é preciso fazer? Para começar têm que internalizar que entrar no Japão requer tempo, paciência e resiliência. Isto é a minha opinião do dia a dia: do confronto com as empresas, muitas vezes estas acabam por desistir do processo a meio. Isto é como fazer uma dieta: é um processo longo, e o que acontece aqui é exactamente isso. Há muito amadorismo na abordagem a este processo e pouco profissionalismo no trading profissional: não se procuram informar devidamente sobre quais as certificações que têm que ter, quais as taxas e impostos a pagar, etc.

Ou seja, está a dizer que não têm uma imagem completa do que é necessário para se ter sucesso no estrangeiro?

Vitor Godinho: Sim, porque eles não criaram um business case. É difícil percepcionar os problemas logo à partida, e é difícil perceber qual é a taxa de esforço e o retorno. Eu creio que esta é uma das razões para nós não estarmos a aproveitar melhor o Acordo de Parceria Económica (APE) entre a União Europeia e o Japão que podia ser muito vantajoso para nós.

A falta de visão a longo prazo mencionada está relacionada com a falta de recursos humanos qualificados, com a pressão no curto prazo por parte da gestão... O que se pode fazer para criar um fluxo comercial constante que levará a um maior sucesso no mercado japonês?

Vitor Godinho: Eu diria que é uma questão cultural. Apesar de sermos bons tecnicamente em mutias coisas nós gostamos pouco de planear. Dou-lhe o exemplo do que acontece nas fábricas. Na Autoeuropa os parafusos estão certamente todos contabilizados, enquanto que noutras fábricas poderá não haver tanto rigor, ou seja, recorre-se mais ao improviso. Temos esta questão cultural em que, por norma, nos conseguimos desenrascar. Pode parecer um cliché, mas se compararmos com outros países, há uma preparação maior. Claro que depende da zona geográfica no globo: os americanos são altamente competitivos e, por isso, não se importam de pensar em vários perspectivas; no norte da Europa, por outro lado, eles são mais metódicos por natureza.

Há factores culturais no que toca ao negócio. Nós temos bons recursos, boas pessoas, mas o que não temos - e muito fruto de termos poucas empresas multinacionais -, é gente de fora com know-how que faça trading internacional. É diferente pensar o trading ou o marketing só para um país do que estar a pensar em fazer negócios para o outro lado do mundo que tem diferenças abismais. Nós não temos uma cultura de internacionalização, porque nós só exportamos para quem está habituado aos portugueses: Brasil, Angola, Canadá... Ou seja, temos dificuldade em sair da nossa zona de conforto. Não estamos habituados ao insucesso. Não temos uma cultura de aceitação do falhanço. Não queremos tirar ilações de um plano que tenha corrido mal, porque queremos evitar falhar ao não tentar. Falta-nos o espírito desportivo, de ir a jogo sabendo que um dos lados perderá, mas preparamo-nos e tentamos mesmo que acabemos em insucesso.

Há uma frase que diz: processo iguais, pessoas iguais, resultados iguais. E aqui acontece a mesma coisa. Não alteramos processos ou pessoas e acabamos com os mesmos resultados. Estar há espera que as pessoas comprem da mesma maneira no estrangeiro como comprarm em Portugal, não é realístico para um mercado como o japonês.

A aversão ao risco poderá estar ligada a uma fraca capacidade financeira das empresas?

Vitor Godinho: O risco está inerente a uma pessoa ter uma negócio, mas a verdade é que falta planeamento para as empresas percepcionarem sequer o risco. É o que falta. A maior parte dos empresários portugueses não está disposta a planear e a ouvir que pode correr mal, etc. Eu posso apresentar um projecto em que, no papel tudo correr bem, mas nós temos que considerar as variáveis onde as coisas podem correr mal, mas o cliente não quer ouvir isso. Infelizmente isto também acontece nos modelos de negócio.

Muitas empresas empregam chavões como a digitalização e a modernizaão, mas não passam de chavões, porque não se vive. Diz-se, não se vive. Porque se olhares para os gestores de hoje são pessoas digitais não nativas. Ou seja, a compreensão que eles têm do mundo digital, da Internet, é de alguém que viveu sem Internet. Ou seja, estão a tentar replicar métodos de gestão e de venda, semi-adaptados. E é impossivel vender algo no século 21 da mesma forma que se vendia nos séculos 19 e 20. Esta é a nossa grande dificuldade. Por exemplo, agora com a pandemia toda gente pode começar a dizer que quer uma loja online, mas não pensam em tudo o que implica a alteração do negócio para online: as margens de distirbuição, o packaging, os canais de distribuição, a experiência de compra online pelo cliente, etc. Porque para eles ter uma montra num shopping ou uma loja online é a mesma coisa, o processo é o mesmo, mas não é. Há impactos fiscais, há impactos de perda de stock, há n coisas para acontecer. Isto mostra que não estamos a formar pessoas para a era digital, da mesma forma que não temos pessoal que perceba de trading internacional.

Mais uma vez, os nossos grandes casos de sucesso de exportação são para mercados onde estamos bem cimentados, como Angola, Moçambique, e Macao. Não vou falar de algumas excepções da Europa, porque esses países têm uma proximidade geográfica connosco e passam férias cá. Há aqui um fenómeno que - agora não me recordo do nome -, mas tem a ver com a percepção de produtos de alta qualidade vindos de países do terceiro mundo. Ou seja, pegando no caso dos vinhos: há vinhos chilnenos que têm uma pontuação tão elevada como os vinhos de Bordéus, em concursos internacionais, mas o consumidor não está disposto a pagar o mesmo preço que uma garrafa de vinhos de Bordéus, porque tem a percepção de que um vinho vindo de um país como o Chile tem que ser barato. Em Portugal, eu tenho a percepção de que acontece o mesmo. Ou seja, nós estamos no limiar de, em mercados mais evoluídos, passar por país menos desenvolvido, com produtos de fraca qualidade, caso não se dê valor ao packaging, à mensagem, a ter um pé dentro do canal de distribuição, etc. Simplesmente estamos preocupados em vender contentores, de qualquer forma, para alguém receber a sua comissão. Ou seja, não há uma estratégia a longo prazo que construa uma imagem de qualidade e de produtos com valor acrescentado que faça aumentar o volume de vendas em mercados mais competitivos como o japonês. Há uma aversão em sair da zona de conforto. Há falta de iniciativa para se descobrir qual é o caminho para se vender muito num mercado competitivo, porque o caminho já implica dois anos a fazer uma coisa, o terceiro ano a fazer outra, o quarto ano outra, e no meio deste caminho ir avaliando e saber onde se tem que mudar A ou B. O que nós gostamos de fazer é, ir às feiras, tentar fazer um grande show off e esperar que aquilo resulte. E eu sou a favor das feiras, mas estas são só um pequeno ponto num panorama maior.

Relativamente ao APE, como podemos aproveitar melhor este Acordo?

Vitor Godinho: Eu acho que o Acordo está um bocado esquecido pelo governo português. A Câmara de Comércio e Indústria Luso-Japonesa fez algum trabalho, e há algumas associações e empresários que estão envolvidos, mas como não consideram o Japão um mercado perto do coração, eu acho que se está a perder uma grande oportunidade. Mas acima de tudo, eu diria que é muito porque o governo não está a aproveitar esta oportunidade e a disseminar pelo tecido empresarial português. E, assim, o empresário português vai para onde os fundos lhe permite, para onde lhe é mais perto. Até porque não nos podemos esquecer de que, vender para o Japão, é longe. Não é uma coisa em que, em duas horas, estou lá. Há uma barreira linguística, há n de questões a abordar, e também não nos podemos esquecer de que a própria pandemia congelou muitos projectos.

Eu diria que há muitas oportunidades. Por exemplo, nós temos bons produtos agrícolas, bons para exportar para o Japão. Mas podemos também seguir uma estratégia mais indirecta, ou seja, através da captação de investimento japonês para ajudar algumas empresas portuguesas, que, com a injecção desse capital e inclusão de conhecimento japonês nas equipas de gestão, permitiriam alavancar as exportações. Mas para se fazer isso, é necessário saber atrair e seduzir esses investidores. É preciso mostrar que Portugal é um bom país para se apostar, que tem bons produtos para vender, produtos que se diferenciam do que outros países têm para oferecer. Precisamos um bocadinho de mais do governo, que faça um show case do país, e que isto não se fique somente pelo Web Summit. Esse apoio é essencial porque o investimento japonês é difícil de captar. Mas se tivermos em conta que há factores estratégicos de interesse para os japoneses, como referido, deviamos conseguir conectar estes investidores com as empresas portuguesas com dificuldades (financeiras, recursos humanos, etc.), ambas as partes podiam beneficiar imenso numa parceria. Eu diria que muitas vezes esquecemo-nos de ver as coisas nesta perspectiva.

E nós até temos a vantagem porque os japoneses têm uma boa imagem de Portugal.

Vitor Godinho: O japonês olha de melhor forma para nós do que nós próprios.

Passando para a parte das oportunidades e fraquezas, quais sectores podem ter negócios à espera cá, mas não têm noção nisso?

Vitor Godinho: Nós somos referências mundiais em certos sectores, como nos moldes, e os japoneses compram de nós o melhor que temos. São vários sectores que podem ter um lugar no Japão, desde os vinhos até aos produtos agrícolas. Apesar dos vinhos, no Japão, ser já um mercado maduro, a verdade é que não temos tido a mesma vontade e força para entrar como, por exemplo, na China. Para além dos vinhos, que é uma das nossas bandeiras, também temos descurado o turismo. Por exemplo, os Açores, a Madeira, o Gerês, entre outros, são locais muito bem vistos pelos japoneses. Claro que estamos a falar de um turismo de alto custo, mas há uma vontade em conhecer tais locais pelos japoneses. Para além disso, deviamos explorar mais a nossa história e cultura, pois há esse imaginário no Japão. Eu creio que os japoneses até têm mais percepção da relação histórica entre Portugal e Japão do que nós.

[...] para se conseguir vender no Japão temos que ter em conta as exigências do consumidor japonês.

Temos descurado muitos sectores com potencial no Japão, mas, mais uma vez, para se conseguir vender no Japão temos que ter em conta as exigências do consumidor japonês. Vender no Japão é difícil e há muita concorrência, quer seja para vender um vinho ou uma cidade histórica em Portugal. E, infelizmente, nós não queremos sair sair da nossa zona de conforto, de ir atrás deste consumidor mais exigente, mas que também paga mais. É importante termos a noção de que, se não formos nós, serão outros a vender o que nós podemos vender. E aqui o governo tem falhado, como se vê no APE. Outros países souberam tirar muito melhor partido do Acordo do que nós. É uma oportunidade da qual não estamos a tirar todo o proveito possível.

De facto, e olhando para o Anexo 14-B, as regiões de vinho portuguesas estão protegidas por este Acordo, mas no que toca a outros produtos, só temos 2, nomeadamente o Queijo de S. Roque e a Pêra Rocha do Oeste, enquanto que os nossos concorrentes directos, como Espanha e Itália têm muitos mais.

Vitor Godinho: E nem é preciso se conhecer Portugal a fundo para se saber que temos produtos que facilmente competem com esses países num mercado como o japonês. E aqui vê-se claramente, que, politicamente, não se decidiu extrair o que o Japão para oferecer, talvez porque achamos que é dificl exportar, porque é longe, o que dificulta percepcionar o valor do mercado. Também porque entrarmos aqui um bocado na histeria dos web summmits, esquecendo um bocado a parte da indústria, que é aquilo que melhor facilmente colocamos no Japão. Pegando no exemplo dos moldes, nós temos poucas áreas onde somos referências no mundo, e nós deviamos agarrar em todas as áreas onde somos referência, e ser bandeira no Japão. Mas temos essa dificuldade, talvez porque as nossas grandes áreas já vendem bem em muitos sítios, e não queremos sair da nossa zona de conforto.

[...] o Japão é o país da burocracia.

Eu acho que se o Japão não fosse tão longe e não houvesse a barreira linguística, toda gente estaria a querer ir para lá. Mesmo sendo um país chato em termos de regras e de obrigações, e porque demora a quebrar a barreira da credibilidade junto dos japoneses. Ou seja, eu não chego lá e consigo fazer negócio passado um mês. Eu demoro um ano, dois anos... E isto é uma coisa que mexe com a ansiedade dos portugueses. Contudo, apesar de ser um país com muitos protocolos e regras, nós sabemos que, lá, quando dizem que as coisas acontecem ao fim de uma semana, as coisas acontecem. Mas até se chegar a esse ponto, é preciso primeiro passar por esta burocracia, e nós não estamos habituados a lidar com a burocracia. No entanto, o Japão é o país da burocracia.

Pode falar um pouco sobre essa impaciência portuguesa?

Vitor Godinho: O nosso maior erro é a falta de paciência perante a burocracia e a falta de planeamento para a enfrentar. Do ponto vista cultural, nós queremos logo fechar negócio, mas para os japoneses nada é no imediato. As empresas portuguesas que tiveram sucesso no Japão foram empresas que desenvolveram uma relação durante dois anos, trocando amostras, preparando o conteúdo, participando em feiras, etc., e a verdade é que não tens muitos gestores com capacidade e vontade de fazer isto. É um caminho que envolve recursos, dinheiro e paciência, e isso mata logo à partida qualquer coisa.

Para finalizar, quais as diferenças reveladas entre o que é esperado pelas empresas portuguesas e o que é a realidade japonesa?

Vitor Godinho: O maior choque tem a ver com o desconhecimento dos canais de distribuição, apesar de depender de sector para sector. Pode haver difculdades em arranjar um parceiro, até porque os japoneses querem ter confiança com quem estão a fazer negócios, e a confiança constrói-se com tempo. Não estamos à espera de vender o produto pelos nossos lindos olhos, e de nada importa dizer que somos os melhores, porque eles têm nas prateleiras deles os melhores produtos, quer sejam nacionais ou internacionais, à espera de serem vendidos. Mas não temos essa percepção. O japonês precisa de se sentir seguro na transação, no negócio e na pessoa com quem está a lidar, e isso implica um longo processo, que já foi referido, tudo isto só para conseguir uma conversa. Há uma imagem de que há um contacto, depois há uma troca de emails, e ao terceiro ou quinto contacto já se está a vender no Japão. E isso é difícil. O processo até mandar uma amostra, conseguir uma reunião, é um processo que tem que ser calculado, ou seja, tem que se ter em consideração o que é preciso. Pensamos que eles também querem fazer negócio e despachar, e, apesar de também quererem fazer negócio, eles querem ter certezas. No Japão não há atalhos. E isso para o português é um problema. Não quero com isso dizer que nós somos maus, ou estamos mal, simplesmente temos uma forma de estar diferente, o que pode ser um choque muito grande. E é por isso que pode ser difícil encontrar um parceiro, porque não sabemos como abordar, não percepcionamos o tempo que é necessário estar com as pessoas, etc. É complicado. Não é à toa que a Vodafone não conseguiu se internacionalizar no Japão. Este é um exemplo que eu dou para mostrar que as coisas demoram, que mesmo as grandes empresas podem falhar. Não é impossível, mas é importante estudar o mercado, ter paciência e ser persistente.